“Se eu pudesse ter dito mais vezes o quanto foi importante na minha vida!”
“Se eu soubesse o que sei hoje não teria dito que não a todos os seus convites para almoçarmos…em vez de ir ficava a trabalhar!”
“O que dava para voltar a sentir o cheiro dela e ouvir a voz dela!”
Estas são algumas das frases que mais escuto nas sessões de luto.
Há 13 anos atrás um professor meu na faculdade, por quem tenho a maior estima e reconhecimento, convidou-me para integrar o grupo de investigação na temática do luto.
Lembro-me bem daquele dia em que me fez a pergunta:
“Sofia, queres fazer parte do nosso grupo de investigação do luto e fazeres o teu mestrado nesta área?”
Na altura senti medo por aceitar trabalhar numa área tão desafiante a todos os níveis, mas resolvi aceitar e hoje assumo a intervenção no luto, ansiedade e depressão como as minhas áreas de especialidade em psicologia clínica com jovens e adultos.
E é sobre luto, sobre as várias experiências que tive com pessoas que perderam os seus familiares e sobre a intervenção que faço, assente na terapia cognitiva narrativa que me proponho falar neste artigo.
Linhas muito gerais sobre o processo de LUTO…
As investigações que têm surgido consideram que a depressão e o luto devem ser analisados distintamente, isto porque, há pessoas que sofrem durante um período, podendo durante o mesmo apresentar sintomas depressivos, mas há outros que se desviam do processo natural e mais comum e o seu luto parece prolongar-se no tempo (a partir de 6 meses já se considera um diagnóstico de luto complicado, segundo Prigerson, Vanderwerker, & Maciejewski, 2008). Quando tal acontece, e tendo em
conta todas as variáveis da pessoa, como as sociais, a relação com o falecido e a própria personalidade podemos falar da depressão como comorbilidade ao luto (Stroebe, Schut & Stroebe, 2007).
E é muito importante ter consciência destes sinais e sintomas no tempo, prevenindo um diagnóstico de luto complicado. Para isso, a terapia é uma enorme ajuda!
A Helena (nome fictício) recorreu às consultas de psicologia clínica, 2 meses após a morte do pai, estava a vivenciar todas as emoções expectáveis à sua perda: dor, choro fácil, descrença, estava muito zangada!…e fez-me uma pergunta muito comum:
“Dizem que há diferentes fases do luto, pelas quais temos que passar, e eu não saio da mesma: “eu ainda não acredito que o meu pai morreu, eu ainda estou à espera que ele chegue para almoçar todos os dias!”
Acerca desta pergunta dizer-vos que é, atualmente, amplamente aceite que a pessoa, aquando uma perda, deverá passar por um trabalho de luto individual, o SEU, e não por estádios ou fases como se postulava anteriormente. Elas existem, sim! Mas não com uma sequência lógica e estruturada no tempo e no espaço, dependem muito de cada pessoa.
O José (nome fictício) estava a vivenciar um processo de luto traumático, acreditava que a culpa tinha sido dele: 2 pessoas morreram! O medo paralisou-o e esteve 3 dias no quarto fechado sem luz, sem comer, sem ir à casa de banho, com febre alta e sem falar com ninguém!
A família estava desesperada e o contexto de consulta foi no quarto deste senhor às escuras. Conseguindo, no final, ajudá-lo a assumir este confronto emocional com a realidade do que tinha acontecido! A situação de perda foi vivida de modo tão perturbador que as exigências sinalizadas excederam as competências de coping conduzindo à ineficácia, no momento, da tentativa de adaptação, induzindo consequências negativas ao nível da sua saúde física e emocional.
Num processo de luto a pessoa terá mesmo que ser ajudada, ou ajudar-se, a desenvolver novas estratégias para lidar com a situação, estabelecendo, deste modo, uma ligação entre o passado, o presente e o futuro.
Contudo, esta mudança não é assim tão linear uma vez que a consideração atribuída ao novo papel social e a forma como é encarada pelo resto da sociedade poderá condicioná-la (Neimeyer, 2000).
A D. Lurdes (nome fictício) sempre teve uma vida social ativa e após ter ficado viúva isolou-se completamente, segundo ela, sentia uma tristeza enorme e sobretudo vergonha de ir a eventos sociais sozinha:
“Eu e o meu marido estávamos habituados a sair com casais e agora não sei o que me parece, sinto vergonha e até sinto que as minhas amigas casadas já me convidam muito menos para sair!”
As crenças, os receios, as inseguranças, o que é percepcionado têm um papel muito importante, podendo ser muito limitador! É preciso ajudar a pessoa a descobrir novos mecanismos para lidar com tudo o que está a acontecer e a terapia ajuda a pessoa a ir, com pequenos passos, procurando um novo sentido! Por falar em novo sentido recomendo nas minhas consultas a leitura do livro: “Em busca de um sentido!”
INTERVENÇÃO NO LUTO
A intervenção cognitiva narrativa do luto e a terapia focada nas emoções, que são os modelos psicoterapêuticos que adoto nas minhas consultas têm como objetivo ajudar a que a pessoa se veja como construtora das suas próprias experiências, tendo a possibilidade de as narrar. Nesta perspetiva, as pessoas são protagonistas, constituem e são constituídas pelas histórias que vivem e pelas histórias que contam.
As suas narrativas permitem um conhecimento mais profundo e rico acerca da sintomatologia psicológica sentida no momento, uma vez que é dada à pessoa a oportunidade de falar à vontade dos seus pensamentos e das suas emoções. É-lhe atribuído um sentido de autoria experiencial, ela é a protagonista das suas narrativas (Shucter & Zisook, 1993) e tem, através da terapia, a possibilidade em “ouvir-se de fora”, de exteriorizar os seus sentimentos e pensamentos.
Um estudo científico observou 128 mulheres que perderam o filho e concluiu que as mulheres que evitavam falar sobre o evento traumático tinham maiores dificuldades adaptativas a longo prazo. Pelo contrário, as mulheres que falavam livremente da sua perda apresentavam um processamento cognitivo e emocional mais efetivo e, consequentemente, uma melhor adaptação face ao evento traumático vivenciado.
Um outro estudo científico constatou que os veteranos de guerra que narravam as suas experiências demonstravam melhores mecanismos de coping (“adaptação”) face à perda e à consequente sintomatologia traumática.
No caso do luto, nem todos os indivíduos conseguem falar abertamente sobre a sua história de perda, produzindo narrativas sem diversidade e qualidade. Nestes casos, a terapia cognitiva narrativa e focada nas emoções são fulcrais para ajudar:
- Promover o processo de narrar os acontecimentos, que é por si só terapêutico.
- Deixar que a pessoa se sinta segura, e deste modo, ativar a sua expressão emocional, permitindo-a dizer o que se tem medo de dizer, muitas vezes!
- Ajudar a perceber as mudanças ocorridas, durante a sessão, em relação à percepção da sua própria experiência de luto.
- Ajudar a pessoa a elaborar um discurso narrativo sobre o que lhe aconteceu mais diversificado, complexo e coerente (Gonçalves, 1995) de modo a uma adaptação mais autoregulada.
“Se eu pudesse ter dito mais vezes o quanto foi importante na minha vida!”
“Se eu soubesse o que sei hoje não teria dito que não a todos os seus convites para almoçarmos…em vez de ir ficava a trabalhar!”
“O que dava para voltar a sentir o cheiro dela e ouvir a voz dela!”
Termino este artigo como comecei, com algumas das frases mais ouvidas nas sessões, dizendo que efetivamente somos uma passagem e que convém mesmo…
Aproveitar o tempo com as pessoas que são importantes para nós!
Dizer mais vezes o que sentimos e pensamos.
Dar o abraço que às vezes reprimimos.
Pedir desculpa, que é, muitas vezes, engolida pelo orgulho.
Estar presente e tornar prioridade alguns convívios. porque o tempo não volta… o que volta é a vontade de voltar no tempo!
Se conheces alguém que precisa de ser ajudado posso ajudar-te a
ajudar!
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